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Foto do escritorAllyson Xavier

Som da Liberdade: uma história tristemente real



Ah, o burburinho! Ele é essencial na promoção e divulgação de qualquer produto da indústria cultural. No caso de Som da Liberdade, filme de 2023 dirigido por Alejandro Monteverde, ele alcançou níveis de decibéis tão altos que virou estrondo nas bilheterias – façanha notável para uma produção independente de baixo orçamento. Espirrou polêmicas para todos os lados e alvoroçou as lombrigas ideológicas dos que se interessam por cinema e também por política. Ou seja, todos nós! Antes de comentar sobre esse filme, portanto, é melhor examinar como isso aconteceu.

O diretor começou a gestar o filme em 2015 e realizou as filmagens em 2018 com o financiamento de investidores mexicanos. A produção foi engavetada em 2019, quando a 21st Century Fox, que faria a distribuição, foi adquirida por uma Disney entupida de lançamentos já programados. Nesse meio tempo, o ator Jim Caviezel, que faz o papel do protagonista, decidiu divulgar o filme junto com alguns produtores. Pronto, começou a confusão! Caviezel, famoso por ter interpretado Jesus Cristo em A Paixão de Cristo – e também por suas posições políticas conservadoras – enalteceu o enredo de Som da Liberdade entre o público da direita. A luta contra o tráfico internacional de crianças, vítimas de exploração sexual, virou uma causa a ser defendida.

Para tentar arrefecer o engajamento do público a uma pauta cara à direita, a esquerda tratou de construir sua narrativa: o filme seria uma lengalenga sobre uma certa teoria da conspiração – batizada de QAnon – envolvendo pedófilos e celebridades de Hollywood, num caldo bizarro temperado com exploração sexual, tráfico de órgãos e substâncias bioquímicas extraídas do sangue das criancinhas, para aumentar a longevidade dos bilionários. Não é nada disso! O fato é que quando Som da Liberdade foi filmado, o tema ainda não circulava pela internet. E apesar de não haver uma única menção a qualquer teoria conspiratória nos 135 minutos de duração do filme, a pecha pegou, já que foi replicada à exaustão pela mídia mainstream.

Em 2023, a Angel Studios adquiriu os direitos do filme e o lançou nos Estados Unidos, explorando com competência e oportunismo a forte polarização política que se estabeleceu ao seu redor. Disputando as salas de cinema durante a temporada de verão, Som da Liberdade conseguiu superar a bilheteria de várias outras produções endinheiradas. No Brasil, chegou com meses de atraso para repetir o mesmo sucesso, mas trouxe também uma dúvida inquietante: por que diabos a luta contra o tráfico internacional de crianças, vítimas de exploração sexual, está dividindo as opiniões da esquerda e da direita? Ora, um tema com tamanha relevância humanitária deveria estar sendo abraçado por todos!

Antes de falar sobre isso, vamos à sinopse: Som da Liberdade é baseado na história real de Tim Ballard (Jim Caviezel), um agente da HSI, força policial que se dedica a combater a pornografia infantil. Seu trabalho é árduo, doloroso e ingrato – assiste de camarote a uma realidade trágica, sem conseguir alterá-la de fato. Até que consegue prender o pedófilo Ernst Oshinsky (Kris Avedisian). Suas investigações o levam a resgatar o pobre Miguel (Lucás Ávila) um garotinho de apenas oito anos, que havia sido sequestrado junto com a irmã, Rocío (Cristal Aparicio), de 11 anos. Ballard assume para si a missão de resgatar a menina, mas para isso terá que ir a campo, na Colômbia. Lá ele se junta a Vampiro (Bill Camp), um ex-contador do narcotráfico, agora redimido, que se dedica a resgatar crianças escravizadas. Com o apoio de policiais colombianos, eles montam uma operação engenhosa e conseguem resgatar mais de 50 crianças, mas a pobre Rocío continua desaparecida. Ballard terá que se embrenhar na selva para conseguir devolvê-la à família.

Som da Liberdade nasceu primeiro na cabeça de Alejandro Monteverde, um diretor talentoso que já tinha no currículo os filmes Bella e Little Boy - Além do Impossível. A ideia para o filme veio depois que ele assistiu a um episódio do famoso programa 60 Minutes, que tratava do tráfico de crianças para exploração sexual. Ficou chocado. Juntou-se ao roteirista Rod Barr e trabalharam alguns meses numa história fictícia, sobre um personagem rico e altruísta, que decide combater o tráfico humano, comprando crianças abusadas para devolvê-las às suas famílias. Até que o produtor Eduardo Verástegui contou ao diretor as incríveis façanhas de Tim Ballard, um ex-agente da HSI que pediu demissão e fundou uma organização, a Operation Underground Railroad (OUR), dedicada ao resgate de crianças sequestradas.

Monteverde partiu para a pesquisa e encontrou uma história ainda mais incrível do que aquela que havia inventado. Conheceu Ballard pessoalmente e se aprofundou no tema, que se revelou tristemente espinhoso. Por dois anos, juntamente com Rod Barr, o diretor trabalhou num novo roteiro para Som da Liberdade. Evitando a armadilha de cair numa abordagem documental, comprimiu a história real do protagonista e se concentrou em alguns episódios. É claro que se valeu de recursos dramáticos e elementos ficcionais para chegar a um thriller mais emocionante, envolvente e tenso.

Para interpretar Tim Ballard, Monteverde escolheu o ator Jim Caviezel, um católico fervoroso que colecionou inimizades em Hollywood, desde que assumiu o viés conservador. Durante as preparações para as filmagens, o ator chegou a participar de missões juntamente com Tim Ballard, observando suas ações e reações em detalhes. Envolveu-se até o pescoço com o tema do combate ao tráfico infantil, tanto que adotou três crianças chinesas. Vem daí a intensidade da atuação visceral que entrega em Som da Liberdade.

O filme é arrebatador! Se você, caro leitor, tiver o cuidado de se despir de suas crenças ideológicas para entrar na sala de exibição, assistirá a um filme triste, pesado e doloroso. Nada de teorias conspiratórias, nada inverossimilhanças. De um lado, verá a maldade do ser humano em sua máxima ferocidade. Do outro, verá pessoas se esforçando para fazer o certo. No meio, encontrará crianças indefesas, vulneráveis e... desumanizadas! A burocracia patina e, como sempre, não consegue resolver nada. Quem consegue sucesso são os indivíduos corajosos, decididos a correr perigo e munidos de fé – em Deus, no processo civilizatório, na capacidade humana de seguir evoluindo... Som da Liberdade é um filme esperançoso, sobre a façanha heroica de todos os que lutam para combater um mal medonho, real, concreto e incomodamente presente. Por que diabos alguém se colocaria contra isso?


Autor: Fabio Belik - setembro 29, 2023

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